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Embora nem sempre seja possível detectá-lo, o cheiro está presente na nossa vida quotidiana. Os recém-nascidos reconhecem a mãe pelo seu cheiro, enquanto o nosso nariz durante a vida adulta é responsável pela captura das feromonas, que contribuem entre outros factores, para a atracção ou aversão para com os outros. É assim evidente que o cheiro é muito mais importante do que geralmente se acredita.
O cheiro relaciona e separa os indivíduos imediatamente, sem as formas generalizadas e convencionalizadas da consciência, da moralidade e da estética. Alguns artistas que o utilizam procuraram outro tipo de sinestesia, a transferência do espectador para outro espaço e tempo, onde o cheiro não esteja escondido sob fragrâncias, mas funcione como um activador de memórias e sirva como meio para contar histórias sobre nós e os outros.
A relação entre a arte e o cheiro intensificou-se com os movimentos artísticos de vanguarda do século XX, dadaísmo, surrealismo e, principalmente, o futurismo. F.T. Marinetti, fundador do futurismo, atribuiu ao cheiro do óleo e da gasolina derramada num acidente de automóvel, a fonte de inspiração que daria origem ao novo movimento artístico, enquanto a sua preocupação primordial, o conceito de simultaneidade, pressupunha a activação de todos os sentidos humanos.
Embora na segunda metade do século XX a superioridade da visão continuasse a ser altamente considerada, a ascensão do movimento feminista, a entrada de artistas não ocidentais no cenário artístico global, a expansão dos meios artísticos e de transformação do corpo humano em meio de expressão, resultou numa ampla utilização do cheiro por artistas que procuraram, por um lado estimular os chamados sentidos negligenciadas do público, por outro, derrubar estereótipos atribuídos a grupos sociais específicos e principalmente, marginalizados.
Em 1965, o artista japonês, Takako Saito, membro do grupo Fluxus, criou um xadrez olfactivo, substituindo peças de xadrez por frascos contendo diferentes aromas de especiarias. Os jogadores tiveram que cheirar as peças antes de decidir os seus movimentos. Como resultado, o cheiro tornou-se um factor crucial para a evolução do jogo. Além disso, o artista procurou expandir a nossa percepção, através de um jogo ligado à masculinidade e à visão.
O cheiro também tem sido usado por Artistas mulheres, preocupadas com questões relacionadas com a identidade feminina. Por exemplo, em “Menstruation Bathroom”, de Judy Chicago (1972), o cheiro de sangue relembrou os tabus relativos à menstruação e à associação do corpo feminino com imundícia.
Nas décadas seguintes, o cheiro tornou-se um meio artístico popular, principalmente em instalações. Os artistas contemporâneos empregam-no, a fim de recuperar memórias e emoções comuns para o consciente e inconsciente colectivo e comentar criticamente sobre construções sociais ligados a ele.
A instalação de Hilda Kozari, “Air-Urban Olfactory Installation (2003)”, consistia em três bolhas que convidavam os espectadores a entrar e experimentar aromas que eram traduções olfactivas da paisagem urbana de Paris, Helsínquia e Bucareste.
Helgard Haug desenvolveu uma fórmula com base na análise do cheiro específico da estação de metro Alexanderplatz, em Berlim, trazendo de volta à memória, lembranças da Alemanha Oriental. Os pequenos frascos contendo U-deur (2000) foram distribuídos na estação e provocou inúmeras observações sobre as estações de metro, “fantasmas" depois da queda do Muro.
Isso provavelmente confirma os comentários de Marcel Proust em “The Search of Lost Time”: "Quando nada mais subsiste do passado, depois das pessoas mortas, depois das coisas estarem quebradas e espalhadas... o cheiro e o gosto das coisas permanecem ainda por um longo tempo, como almas...carregando de forma resiliente, em gotas minúsculas e quase não palpáveis da sua essência, o imenso edifício da memória ".
Jenny Marketou em "As it happens (1997)" tentou reproduzir uma viagem ao passado e ao seu país de origem, a Grécia, através da utilização de vários aromas, enquanto Giuseppe Penone, para a sua instalação Respirare l'ombra (1999-2000) revestiu as paredes de uma sala no Centro Georges Pompidou em Paris, com folhas de louro, que procuraram transferir os espectadores para uma paisagem natural imaginária.
A dimensão cultural do olfacto, a sua função como meio de autodefinição e interacção com os outros, preocupa artistas, como Sissel Tolaas, fundadora da Flavors and Fragrances, Re_search Lab Berlim, que afirma que a linguagem não pode expressar em palavras a riqueza do vocabulário olfactivo.
Para a sua instalação "The FEAR of smell - the smell of FEAR (2007)”, ela recolheu o cheiro do suor de homens de diferentes partes do mundo, através de um dispositivo especial, que os indivíduos colocavam nas suas axilas, quando propensos a expressar medo.
Usando um processo de microencapsulação industrial, criou tinta e revestiu uma parede, que libertava os odores quando tocada pelo público. Assim, ela jogava com a percepção olfactiva sem identificar o sujeito e o odor.
“Rever a teoria estética deve ser entendido como uma continuação lógica do processo que teve lugar na teoria da arte nas últimas décadas e que levou ao alargamento do conceito de arte, incluindo design, arquitectura paisagista, moda, etc. Eventualmente, existem formas específicas de arte escondidas por trás da estética da vida quotidiana, esperando apenas para ser apontadas e explicitamente cultivadas. Em qualquer caso, a sensibilidade torna-se a condição primária do julgamento estético.”
Mădălina Diacunu. Reflections on an Aesthetics of Touch, Smell and Taste
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